[Defeso do Camarão 1] Pescadores artesanais querem defeso entre outubro e dezembro

Resumo da reportagem: o defeso do camarão, período em que os pescadores não podem capturar cinco espécies do crustáceo, vai de 1ª de março a 31 de maio. Os pescadores artesanais de Penha alegam que agora ocorre a maior safra do camarão sete-barbas, comum aqui na região, e pedem a mudança da proibição para o outono, pico de reprodução da espécie.

Raffael do Prado
raffajornal@hotmail.com

O pescador André João Martins, 59 anos, vai dar entrada na aposentadoria depois do dia 14 de abril, quando completa 60 anos de vida e 50 de pesca artesanal na Praia de Armação do Itapocorói. André é presidente da Colônia de Pescadores Z5 e na cidade é conhecido como Dé da Colônia. A entidade reúne 200 associados, entre homens e mulheres que trabalham de oito a 12 horas por dia no mar ou nas 44 salgas espalhadas por Penha.

Os meses de março, abril e maio marcam o defeso do camarão, período em que os pescadores artesanais e industrias ficam impedidos de pescar cinco espécies do crustáceo. Sem ter de onde tirar o sustento de casa, os trabalhadores recebem o seguro-defeso, um salário mínimo (937 reais) por mês pago pelo Governo Federal, através da Previdência Social.

“Esses três meses do defeso são a melhor época para pescar camarão. Dá pra ganhar até 20 salários. Estão acabando com a pesca artesanal”, resume.

Dé enfrentou mar adentro pela primeira vez aos 10 anos. Foi acompanhar o pai em um dia inteiro de arrasto de camarão sete-barbas, época em que a fartura imperava na região pesqueira de Penha. No começo, o jovem rapaz enjoava fácil e vomitava sangue com frequência. Cinquenta anos depois, Dé revela que ainda enjoa com o balanço do mar, mas não vomita mais. “Eu tô calejado”, avisa.

O presidente da Colônia faz coro junto aos cerca de 1200 pescadores de Penha (dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) quando o assunto é o defeso do camarão. A parada, como eles chamam a proibição, deveria ocorrer de outubro a dezembro, pico de reprodução do camarão sete-barbas. Dé, no entanto, está conformado, vai se aposentar logo e não quer se incomodar. “Eu acho que não muda mais porque a indústria faz pressão lá em Brasília. Eu tô por dentro. O defeso está errado e todo mundo sabe disso”, completa.

Além do sete-barbas, a Instrução Normativa 189 do Ibama (regula o defeso) proíbe a captura do camarão-rosa, do camarão-branco, do santana ou vermelho e do barba-ruça. O defeso, que começou no dia 1º de março e segue até 31 de maio, impede também o transporte, a estocagem, o beneficiamento, a industrialização e a comercialização de qualquer uma das espécies. Os pescadores flagrados pescando camarão no defeso incorrem em crime ambiental e pagam multa. Em alguns casos, as embarcações são apreendidas e os trabalhadores presos.

O casal de pescadores Maria Helena Cardoso Bento e João Franklin Bento trabalha junto há 15 anos (confira a entrevista deles AQUI)

No Bairro de Armação as histórias de pescadores flagrados pelo Ibama são corriqueiras. Ederaldo Olavo Domeciano, 47, não reconhece o defeso e pesca todos os dias. Sai de casa de madrugada e retorna quando o dia anoitece. Passa mais de 12 horas no mar, sob os efeitos da natureza e de olho no horizonte, cuidando para não ser visto pelos fiscais do Ibama. As marcas nas mãos e o rosto queimado pelo sol e pelo vento compõem a dureza que é pescar camarão todos os dias há mais de 30 anos. “Os homens de Brasília não conhecem a nossa realidade, não vivem a minha vida e não têm ideia de como é pescar ou como funciona o ciclo de reprodução. Se viessem aqui e nos escutassem eu não precisaria roubar camarão”, fala.

Anotações

Paulo Afonso Martins tem 31 anos, é casado com Gabriela Lúcia Gonçalves Martins, 24 e pai de dois filhos. Paulo e Gabriela são pescadores e recebem o seguro-defeso. O valor, segundo eles, mal dá para manter a casa. As contas de luz, água, IPTU, taxa de lixo também chegam na época do defeso.

O pescador artesanal Paulo Afonso Martins anota em um caderno o dia a dia no mar

O pescador tem um caderno onde anota os dias de pescaria e os dias ruins, aqueles em que fica parado. “Eu não saio com mau tempo. É perigoso. Às vezes eu trabalho 90% do mês e às vezes só 10%”, diz. Fevereiro foi um mês bom. Ele trabalhou 22 dias. Em março arriscou ir ao mar três noites seguidas, já com o defeso em vigor.

Paulo vende o camarão que pesca para um atravessador de Balneário Piçarras. Em época boa, consegue juntar 150 quilos de sete-barbas na embarcação e vender o quilo a R$ 5 ou 10 reais, depende da demanda. Ele gasta em média 25 litros de óleo diesel por dia de pescaria, o que dá 77 reais a cada saída com o barco. Paulo ainda tem os custos de alimentação, gelo para refrigerar o camarão e manutenção da lancha, que pode chegar a mais de mil reais por mês. “Fome a gente não passa, mas passamos aperto. O que tu vive com mais tu vive com menos”, fala.

Procurados, o Ibama e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento não se manifestaram até o fechamento da reportagem.



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