Padre e associação brigam por controle e prestação de contas de dinheiro arrecadado para a Festa do Divino

Padre quer que dinheiro arrecadado seja entregue para a paróquia fazer a gestão (Foto: Divulgação)

A Festa do Divino Espírito Santo de Penha está no meio de uma polêmica entre o padre Josué de Brito Souza, pároco de Penha, a Associação Cultural e Assistencial do Divino Espírito Santo (Acadies) e o vereador Maurício da Costa (MDB), o Lito. Pelo Facebook, o padre publicou duas mensagens que deixaram os integrantes da Acadies revoltados.

Na primeira, de 14 de julho, o padre, que assumiu recentemente o comando da Paróquia, pediu um retorno às origens da Festa do Divino e indicou que a passagem da bandeira nas casas deveria ser marcada totalmente pela gratuidade e que as visitas deveriam ocorrer, preferencialmente, nas casas de doentes e pobres.

A extensa postagem questiona como é organizado o “Almoço do Imperador”, que ocorre no último domingo de festa. Para Josué, a quantidade de almoços, como está atualmente, é inviável. Além disso, só participam do almoço pessoas previamente convidadas. A dinheiro para custear a refeição, segundo o padre, é dinheiro público e, para ele, não deve continuar do jeito que é atualmente. “O almoço do imperador não cria vínculo, compromisso, comércio. Deve ser pura gratuidade. O critério para a escolha das pessoas [convidadas] também precisa ser repensado”, disse o sacerdote.

Para ele, nem tudo que é lícito, é moral. “A manifestação contrária, de ateus e até de católicos, no uso do sagrado dinheiro público, para custear distribuição de alimento e bebida alcoólica no “Almoço do Imperador” atenta contra o Evangelho e contra os pobres”, completou.

Na prática, os convites são distribuídos nas visitas da Bandeira do Divino nas casas previamentes escolhidas pelo Imperador e coordenadores de cada localização. Os moradores da casa visitada fazem uma doação em dinheiro e recebem 2 convites por residência.

Essa primeira manifestação do padre Josué em direção à Festa do Divino, causou surpresa e revolta em parte da comunidade católica de Penha, especialmente junto aos integrantes da Acadies, formada por ex-imperadores do Divino e colaboradores. Segundo fontes ouvidas pelo Notícias de Penha, o pároco passou a receber xingamentos via redes sociais e até um abaixo-assinado foi organizado pedindo a retirada de Josué da Paróquia Nossa Senhora da Penha. A notícia de que ele queria acabar com a Festa do Divino tomou conta da cidade.

Moção de Apoio

O vereador Lito, que já foi imperador do Divino e faz parte da Acadies, apresentou uma “Moção de Apoio” à entidade, para que a festa continue com o cronograma tradicional, ou seja, gerida pela entidade.

No último domingo, dia 22, ao saber que o vereador protocolou a moção que seria discutida na sessão de segunda (23) na Câmara, o padre Josué publicou um novo texto no Facebook, e não aliviou na caneta. O pároco disse que não queria acabar com a festa e que buscava um retorno à origem humilde do encontro.

Josué insistiu que os gastos da festa são exorbitantes e apontou que falta transparência da Acadies ao prestar as contas à paróquia. Ele usou como exemplo a prestação de contas do imperador escolhido em 2018, Flamarion Dias.

Da prefeitura, a Acadies recebeu em 2018, 90 mil reais. De doações de empresários e amigos da Igreja Católica, R$ 68.676,67 e de doação de fiéis do Divino, na passagem da bandeira nas casas, em torno de 147 mil reais, totalizando R$ 306 mil.

“Exceto a verba pública, os outros mais de R$ 200 mil, doação dos fiéis Devotos do Divino e dos Empresários Amigos da Santa Igreja Católica, que deveriam ser entregues ao Caixa Paroquial e prestado contas publicamente, não acontece. Dez mil deste montante são “doados” pela Acadies à Paróquia, como se este dinheiro não fosse do povo para Igreja”, disse o padre.

Na mesma linha, Josué acusou a Acadies de administrar ilicitamente os 200 mil reais arrecadados por meio de doações. “É moral dispor de todo este dinheiro, doado pelo do Povo de Deus, para a Festa do Divino, com rosas importadas, homenagens, mídia, fotografia, presentes, roupas, comida de graça para quem não precisa e enorme desperdício de comida, garçons, bebida alcoólica de graça, etc. Foi esta Festa, de luxo, desperdício e vaidade, que teve início em 1837? Isto é a verdadeira tradição do Divino de Penha? O Divino Espírito Santo está feliz com isso?”

Bate boca na Câmara

Na sessão da última segunda-feira, um dia depois da manifestação do padre no Facebook, o vereador Lito apresentou a moção em apoio à Acadies. Membros da associação estavam no Plenário. Quando Lito foi à Tribuna para falar sobre o assunto, um morador levantou um cartaz pedindo mais respeito ao padre Josué. Lito se exaltou e exigiu respeito à Acadies, defendendo que a associação faz um trabalho de excelência na organização da Festa do Divino.

Ao Notícias de Penha, Lito comentou que no dia 31 de agosto a Acadies se reuniu com o padre sobre as mudanças propostas pelo pároco que, segundo o vereador, daria uma resposta em quatro dias. Até hoje, afirmou o vereador, nenhum contato do padre.

“A Acadies presta conta do dinheiro público recebido para a festa e cuida da parte cultural. Fazemos visitas nas casas e nas capelas que hoje contemplam mais de 1700 famílias. O que é arrecadado nos três meses de visita é gerenciado pelo imperador, que no final presta contas para a associação”, disse o vereador.

Lito garantiu que não tem conhecimento de abaixo-assinado contra o padre e que fez a moção para que a festa continue com suas tradições. “Se eu quisesse ser contra o padre, faria uma moção de repúdio”, completou.

Nesta quarta, 25, em entrevista à Rádio Cultura de Balneário Piçarras, Lito falou sobre a confusão e afirmou que está fora de cogitação repassar à paróquia os valores arrecadados por doações e o valor repassado pela prefeitura de Penha.

O que diz a associação

O atual presidente da Acadies, Ricardo Augusto dos Santos, afirmou que a entidade não pretende afrontar ou desmerecer o padre Josué. Em relação às afirmações feitas pelo padre no Facebook, Ricardo comentou tê-las recebido com tristeza.

“A Acadies é responsável pela administração do repasse público. Sempre prestamos contas, de tudo, inclusive das doações dos devotos, administradas pelo imperador de cada ano, como manda a tradição de 183 anos. Somos pessoas de bem, católicos que amam sua igreja, por essa razão tudo que realizamos em prol da Festa do Divino Espírito Santo, realizamos por amor de forma voluntária. E sermos considerados como usurpadores da igreja foi, no mínimo, humilhante”, disse o presidente da Acadies.

Ele completou dizendo que o padre teria recebido informações distorcidas sobre a gestão da associação. “Estamos abertos ao diálogo. Nosso interesse não é dinheiro, não é poder. Nosso interesse é manter a nossa festa, com sua cultura, tradição e fé”, completou.

Historiadora concorda com manifestações do padre Josué

A historiadora, professora e escritora Maria do Carmo Ramos Krieger, autora do livro “Penha: Relicário do Divino”, argumentou que os textos publicados pelo padre Josué levaram a comunidade católica a uma reflexão. Para ela, a festa está tomando proporções gigantescas, citando o montante de dinheiro que a envolve.

“Antigamente, cada família recebia a comitiva. Com o aumento significativo de pessoas, ficou mais prática a reunião de famílias em uma mesma casa, com a divisão de despesas de recepção com comida. As doações recebidas como oferta nunca é revelada”, afirmou a escritora.

Maria do Carmo critica a falta de receptividade dos devotos à Festa de Nossa Senhora do Rosário e ao Natal dos Pretos, realizada no Ciclo Natalino. “Talvez por serem festas mais simples, talvez porque eram voltadas aos pretos do lugar e vizinhanças, não sei, mas o fato é que elas acabaram por falta de incentivo da comunidade católica que as deixou relegadas”.

A professora vai na mesma linha do padre e pede o retorno à origem humilde da Festa do Divino, que completou 183 anos em 2019. “O padre Josué, recém-chegado, pode saber, com mais clareza, muito do que envolve a festa, colocando-se a serviço da Igreja e do Espírito Santo a fim de tomar atitudes pertinentes”, encerrou.

O que diz a prefeitura de Penha

Questionada se pretendia suspender o repasse anual à Acadies, a prefeitura de Penha informou que a entidade presta contas ao município e que não vê motivo para cancelar o repasse para a associação. Nos últimos três anos, o governo transferiu 275 mil reais para a Acadies.



4 Replies to “Padre e associação brigam por controle e prestação de contas de dinheiro arrecadado para a Festa do Divino”

  1. Não sei o que dizer. Dai a Cesar o que é de Cesar e a Deus o que é de Deus, nos ensinou Jesus. Prosseguindo orientou seus discípulos na pregação do Evangélio; ide de cidade em cidade, aquele que vos der abrigo abençoai, aquele que vos fechar a porta, batei a poeira das sandália e ide a diante.
    Complicado usar dinheiro público em prol da Igreja, complicado a Igreja pedir donativos e dízimo, quando Cristo não institui nenhuma forma de retribuição monetária pela evangelização. Pessoalmente não me incomodo em colaborar, mas lembrando que o dízimo remonta aos Levitas, que entre outras coisas, tinham que dar a assistência social às viúvas, órfãos e outros desvalidos do povo Hebreu.
    Contudo a colaboração deve ser pela gratidão a Deus e não propriamente porque somos desta ou aquela religião.
    Doar é gratidão.

  2. Se a festa é da igreja católica, ela que deve organizar e prestar contas aos seus fiéis.
    Há muito tempo os valores estão destorcidos e ao meu ver esse dinheiro todo, de qualquer forma, não vai se reverter para a comunidade. Quem doa deve saber disso e não parece muito preocupado. Quem já entendeu parou de participar disso.

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