Atividade pesqueira pode sucumbir por falta de governança

Reportagem: Joca Baggio e Raffael do Prado

Falhas na regulação da atividade vêm acumulando perdas significativas para o setor, que segue a margem da lucratividade e sustentabilidade

 

“A falta de informações vem há mais de um ano prejudicando a cadeia produtiva envolvida na captura da tainha. Pois trabalhamos com o achismo”, Jorge Neves, presidente do Sindipi

O descaso com o setor pesqueiro no Brasil e a insegurança jurídica enfrentada pelos armadores da pesca industrial ameaçam uma atividade que chegou a ser um dos principais componentes do Produto Interno Bruto (PIB) de Santa Catarina. Os últimos números oficias do setor são relativos a produção de 2013 e constam na publicação Santa Catarina em Dados 2015, da Federação das Indústrias de Santa Catarina (Fiesc), onde o estado aparece com a maior produção nacional, de 151 mil toneladas, segundo estimativas do extinto Ministério da Pesca e Aquicultura. Volume que tende a ficar muito aquém em 2017.

O setor previa inicialmente 100 mil toneladas neste ano, sendo 40 mil toneladas de sardinhas e 60 mil toneladas de outras espécies. No entanto, com a frustração nas capturas de sardinhas, as limitações para a pesca da tainha e as restrições impostas pela 445/2014 – do Ministério do Meio Ambiente -, o volume dificilmente vai ultrapassar as 70 mil toneladas. O quadro é desesperador.

O oceanógrafo, consultor e coordenador técnico do Sindicato dos Armadores da Industria da Pesca de Itajaí e Região (Sindipi), Marco Aurelio Bailon, credita esse cenário à falta de governabilidade com relação à atividade pesqueira. Para o especialista, o setor carece de políticas específicas, investimentos em pesquisa e, principalmente, o ordenamento da atividade, por meio de medidas governamentais. A principal e mais urgente mudança, segundo Bailon, é com relação a matriz de permissionamento da pesca. “Santa Catarina tem uma condição atípica. Temos dez modalidades de pesca no estado, porém, todas com problemas nesta matriz, o que faz com que estejamos a margem de práticas mais rentáveis, mais sustentáveis”.

Bailon diz que após a inclusão da Secretaria de Pesca e Aquicultura (SPA) ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) após a extinção do Ministério da Pesca da Pesca e Aquicultura (MMA), surgiu uma possibilidade de retomada para a atividade pesqueira, principalmente com a criação de comitês de gestão e nestes, subcomitês de pesquisa. No entanto, toda e qualquer boa expectativa que surgiu foi por terra, com a transferência da SPA para o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comercio Exterior e Serviços (MDIC), em março deste ano. Em meio aos dirigentes do setor a opinião é quase que unânime: a ação política do governo Temer tende a exterminar o pouco que ainda sobrou da pesca industrial no Brasil.

O coordenador do Fórum Parlamentar Catarinense, deputado federal João Paulo Kleinübing (PSD), protocolou na última quarta-feira (3) ofício pedindo ao Ministério do Meio Ambiente a revisão dos prazos da lista de espécies que sofrem restrições para pesca, além de adicionar novas espécies a lista de autorização para a captura. O pedido, assinado por alguns deputados da bancada, sugere que o novo prazo para a vigência da lista seja 30 de abril de 2018.

O ofício lista 42 espécies, entre elas alguns tipos de arraias, garoupas, bagres, encontradas nas regiões Sul e Sudeste do país, a exemplo do que já aconteceu com 15 espécies do Norte e nordeste. Kleinübing afirma que a proposta evitaria os descartes que hoje acontecem e causam prejuízo tanto para o meio ambiente, quanto para os pescadores, que ficam com os trabalhos inviabilizados.

Entenda a portaria 445/2014

A Portaria 445/2014 do MMA reconhece as espécies integrantes na Lista Nacional Oficial de Espécies da Fauna Ameaçadas de Extinção – Peixes e Invertebrados Aquáticos e estabelece as normas de proteção e respectivas punições em caso de desrespeito. Em seu artigo 2°, a norma proíbe a “captura, transporte, armazenamento, guarda, manejo, beneficiamento e comercialização dessas espécies, visando sua “proteção integral”.

Publicada em 2014, chegou a ser derrubada em junho de 2015, sob argumento de que foi feita pelo MMA sem a participação do Ministério da Pesca. Voltou, porém, há cerca de dois meses. Mas, em julgamento no Tribunal Regional Federal, voltou a ter validade um ano depois. Desde então, a fiscalização contra a pesca dessas espécies tem se intensificado.

A Portaria protege 475 espécies, classificadas nas categorias “extintas na natureza”, “criticamente em perigo”, “em perigo” e “vulnerável”. No entanto, surgiram indícios de que a pesca sustentável de 14 espécies poderia ser compatibilizada com a recuperação das populações. Com isso, em setembro do ano passado, o MMA publicou outra portaria, a 395/2016, que prorrogou os efeitos da lista até 1º de março de 2017 para essas espécies.

“Não existe investimento governamental para o estimulo da pesca e nem para as pesquisas, que são fundamentais para que haja uma gestão sustentável da atividade pesqueira”, Marco Aurelio Bailon, coordenador técnico do Sindipi
Não existem informações sobre a atividade

A grande maioria dos problemas enfrentados pela indústria e trabalhadores da pesca hoje estão associados às restrições impostas pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA) ao setor, que alega ter um tratamento diferenciado se comparado à outras atividades primárias. Inclusive, segundo representantes do setor, grande parcela das medidas restritivas impostas pelo MMA são incabíveis, uma vez que não têm embasamento científico, devido à falta de estudos e pesquisas.

No entanto, essa afirmação só faz emergir um problema crônico e profundo da gestão pesqueira no Brasil: a falta de dados sobre a produção de pescado nacional. Marco Aurelio Bailon, do Sindipi, diz que desde os idos anos de 2006 não são publicadas estatísticas pesqueiras no Brasil. Desde então, não há dados oficiais consolidados sobre a atividade pesqueira no país. Atualmente ninguém sabe ao certo que espécies estão sendo pescadas, onde, como e em que quantidade. O que se tem são estimativas.

Não existem sequer informações com relação a possíveis aumentos ou retrações na produção. Ninguém sabe. Fazendo uma analogia com o setor agrícola, é como se o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) não soubesse informar quanto o Brasil produziu de carne e soja nos últimos três anos; nem onde estão as fazendas, ou de que raça são os bois.

No caso de Santa Catarina a situação é menos caótica, mas está muito distante de ser a ideal ou, pelo menos, satisfatória. Os últimos estudos são de 2012. “Isso porque, no caso isolado do nosso estado, conseguimos manter parcerias com a Secretaria Especial de Aquicultura e Pesca e Ministério da Pesca e Aquicultura. Mesmo assim, estamos trabalhando às cegas a muito tempo”, diz Bailon.

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Restrições tendem a impactar na captura da tainha

A captura da tainha será mais uma vez prejudicada por ações governamentais. O Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços (MDIC) publicou no Diário Oficial da União de 28 de abril a Portaria Interministerial nº 23, que estabelece os critérios para o exercício da pesca da tainha neste ano. Segundo instrução normativa, a pesca artesanal está liberada de 1º de maio à 31 de dezembro e a pesca industrial de 1 de junho a 31 de julho.

O problema verificado na portaria, no entanto, é que apenas 32 das 171 embarcações equipadas para essa atividade receberão a licença para capturar a espécie, ou seja, a pesca será liberada apenas para apenas 19% dos armadores que pescam a tainha. Outro ponto que preocupa os armadores de pesca é que a portaria não estabelece os critérios que serão adotados para a emissão das licenças. Teme-se, inclusive, que o critério seja o sorteio.

A redução gradativa que vem ocorrendo no número de liberações para a captura da tainha é devido ao Plano de Gestão da Espécie, previsto na Portaria Interministerial nº 3 dos Ministérios da Pesca e Aquicultura e do Meio Ambiente, de 14 de maio de 2015, que prevê a captura da espécie de forma ordenada. Na temporada passada foram expedidas 40 licenças. Número que caiu para 32 em 2017. No entanto, o que revolta o setor é que não existem estudos do comportamento da espécie que fundamentes essa resolução. Então, pela falta de embasamento científico, o governo aplica a redução anual contínua de 20% no número de embarcações prevista na portaria.

Para o presidente do Sindipi, Jorge Neves, há necessidade de pesquisas que fundamentem estas decisões governamentais, pois somente por meio de estudos é que o governo poderá ou não saber se os estoques estão ou não comprometidos. “Essa é uma regra que já foi assinada em uma gestão anterior e infelizmente precisamos respeitar. Mas o que se busca, não só para a tainha, como também para outras espécies, a exemplo da sardinha, são mudanças fundamentadas em pesquisa. A falta de informações vem há mais de um ano prejudicando a cadeia produtiva envolvida na captura da tainha. Pois trabalhamos com o achismo”, afirma o dirigente.

Procurado, o Governo Federal ainda não se manifestou sobre o assunto.